Com celeridade na tramitação, a Câmara dos Deputados pretende votar em breve uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e que dá ao Congresso Nacional o poder de escolher o corregedor do órgão. A proposta é de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e é encampada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que levou o texto direto ao plenário da Casa sem passar pelas comissões.
A PEC, que chegou a entrar na pauta da Câmara na última quinta-feira (07), é alvo de críticas por parte de promotores, procuradores e especialistas. Segundo eles, o texto acaba com a independência do Ministério Público. Durante a sessão não houve consenso sobre a matéria e a votação acabou adiada. A expectativa, agora, é que um acordo seja construído pelo relator, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA).
“Nós vamos tentar avançar, até porque se é verdade que não há maioria necessária para a aprovação deste texto, também é verdade que a maioria está convencida da necessidade de ajustes na composição e nas regras do Conselho Nacional do Ministério Público”, disse Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, ao adiar a votação.
O CNMP é o órgão dentro do Ministério Público responsável por fiscalizar e punir condutas indevidas de procuradores e promotores de todo o país. Atualmente, o corregedor nacional é escolhido em votação feita pelo CNMP dentre os membros do Ministério Público que integram o conselho.
A PEC 05/2021, no entanto, acaba com essa votação interna e dá ao Congresso Nacional o poder de escolha do corregedor. Os parlamentares teriam que indicar um membro do Ministério Público com antiguidade na carreira para a função. O mandato do corregedor continua a ser de dois anos, permitida uma recondução, desde que o candidato passe por sabatina no Senado Federal. Hoje, essa recondução ao cargo é vetada pela Constituição.
Indicação do Congresso para membros do CNMP
O projeto também amplia, de 14 para 15, o número de membros do CNMP, dos quais quatro serão indicados ou eleitos pelo Legislativo. Em outra frente, o texto diminui de quatro para três os conselheiros escolhidos pelo Ministério Público da União (instituição composta por Ministério Público Federal, Ministério Público do Distrito Federal e Ministério Público do Trabalho). De acordo com os críticos da proposta, a medida amplia a influência do Congresso Nacional dentro do órgão.
Para Weslei Machado, promotor de justiça do Ministério Público do Amazonas, “essas modificações visam aumentar poderes do CNMP sobre a atuação de membros do Ministério Público” e “a diminuição do número de integrantes escolhidos pelo próprio Ministério Público e a atribuição desse poder de escolha a outros órgãos aumenta a interferência no funcionamento dessa importante instituição.”
Além disso, o texto da proposta permite que o conselho anule atos de investigação, abrindo brecha para uma interferência direta na atuação dos promotores e procuradores, o que não existe atualmente.
De acordo com o relator Paulo Magalhães, o Congresso precisa ter um papel maior na fiscalização do MP. “O sistema republicano tem que ter fiscais, não é verdade? Durante a audiência pública houve uma pergunta de um advogado: “quem fiscaliza os fiscais?”. E eu fiquei sem responder. Então, é natural que haja fiscalização numa República”, disse o deputado.
No entendimento do promotor Weslei Machado, atualmente existe sistema de fiscalização sobre as ações dos membros do MP. “Ao contrário, o CNMP deve apenas atuar em caso de violação de deveres funcionais e não sobre a atividade finalística. Para a correção desses atos, há um vasto sistema de controle, como, por exemplo, medidas judiciais.”, disse o promotor.
PEC favorece procurador-geral no Conselho Superior do MPF
Em outro trecho, a PEC pretende alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão deliberativo sobre a gestão da instituição. Pela proposta, dois terços das cadeiras do Conselho Superior seriam escolhidas pelo próprio Procurador-geral da República (PGR).
Ou seja, a mudança impede que o PGR tenha minoria dentro do conselho, situação que ocorre hoje com Augusto Aras, por exemplo. Com isso, o chefe da instituição dificilmente perderia a maioria do colegiado, que hoje tem sido um dos principais focos internos de atritos para o atual PGR.
Críticos da proposta
Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), o promotor Manoel Murrieta classifica a PEC como um retrocesso e como o fim da independência do CNMP. “A PEC 05/2021 representa um ataque a uma instituição respeitada e absolutamente imprescindível para a manutenção da democracia no Brasil. É inadmissível que essa proposta seja levada adiante, por ferir diretamente a independência dos membros do Ministério Público, sob a falácia de controle externo, que já existe”, disse.
De acordo com Murrieta, a estratégia em dar ao Congresso o poder de escolha do corregedor do CNMP é uma forma de passar para a classe política a decisão sobre quem vai punir ou não promotores e procuradores. “Corre-se o risco de que a pessoa a ocupar esse posto precise ser alinhada às demandas dos políticos, podendo até atuar contra membros do Ministério Público que possuem conduta ilibada, com atuação contundente contra desvios morais e legais de membros da classe política”, completa.
Ex- coordenadora da operação Lava Jato em São Paulo, a procuradora Janice Ascari diz que o Congresso Nacional acabou com a responsabilização por ato de improbidade administrativa e agora quer dar ao Legislativo “o controle sobre o Ministério Público”. “Que pressa para acabar com o MP, não?”, questionou Ascari.
Já o procurador Hélio Telho afirma que a instituição “está prestes a acabar” e que a proposta “acaba com a independência funcional”. “Conselheiros indicados politicamente poderão trancar inquéritos instaurados pelo Ministério Público, desobrigar o cumprimento de suas requisições, desautorizar recomendações, retirar ações judiciais, inclusive criminais, mudar pareceres e desistir de recursos”, afirma.
De acordo com a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), as “modificações fragilizarão a atuação do Ministério Público”. “A PEC ataca aspectos estruturais do MP e fragiliza a atuação independente de seus membros, garantia prevista na Constituição. Além disso, submete o CNMP à influência direta do Congresso Nacional e impossibilitará a atuação do MP em defesa da sociedade, especialmente nos casos que envolvam temas de grande relevância”, diz a nota da ANPR.
O promotor Weslei Machado vê a proposta como forma de barrar a atuação da instituição. “Por fim, a permissão para que o Corregedor Nacional do CNMP possa ser escolhido entre qualquer dos membros daquele órgão, mais uma vez, afigura-se como tentativa de viabilizar interferências externas indevidas para tentar frear a atuação do Ministério Público brasileiro.”, afirma.
Com informações da Gazeta do Povo.